Quem acompanhou nosso financiamento coletivo desde início viu que nós oferecemos como recompensa para os primeiros benfeitores uma amostra de tinta de terra feita pelo nosso parceiro Programa Saberes da Terra. Gostariam de saber mais sobre como funciona esse tipo de tinta? Então você não pode perder esse texto.

O Saberes da Terra é um programa de extensão da Universidade de São João del Rei, tendo como orientador o professor Mateus de Carvalho Martins. Atuante desde 2011, o Programa propõe o resgate da arquitetura vernacular, aquela que utiliza elementos locais como matéria-prima, sendo a terra um grande exemplo. Por meio de oficinas teóricas e práticas de tinta de terra e adobe em museus, escolas e com os moradores de São João del Rei e região, procura-se conscientizar e disseminar essas técnicas tradicionais e discutir acerca da educação patrimonial.

 

Coleta-em-Prados-III. Fonte: Programa Saberes da Terra
Cores de terra. Fonte: Programa Saberes da TerraFonte: Programa Saberes da Terra

O carro-chefe de convites para a realização de oficina é o de tinta de terra, devido à sua aplicabilidade no cotidiano. A tinta de terra é uma técnica derivada do barreado – que consiste na diluição do solo argiloso em água, aplicando a mistura na superfície com o auxílio de um pano úmido - adicionada de cola à base PVA. Essa adição foi a maneira encontrada para a aplicação da técnica em alvenaria cerâmica, produzindo, assim, uma espécie de tinta látex de melhor aderência e durabilidade.

Para fazer a tinta de terra é necessário conhecer primeiramente um pouco sobre a sua composição. O solo é composto por três tipos de grãos: a argila, o silte e a areia; os quais se diferenciam pela granulometria (tamanho do grão).

ARGILA: é o grão de menor tamanho.  Um solo argiloso (que contém a argila como grão principal) deixa uma coloração e tem forte aderência à pele. Não é indicado para a fabricação da tinta por sua dificuldade de aplicação, já que se formam blocos na superfície e, além disso, a segunda demão repuxa a primeira.

SILTE: é o grão de tamanho médio. Um solo siltoso (que contém o silte como grão principal) apresenta uma textura macia, parecida com talco. É o tipo de solo mais indicado para a fabricação da tinta, pois garante uma boa qualidade, homogeneidade, aderência e coloração.

AREIA: é o grão de maior tamanho. Um solo muito arenoso (que contém a areia como grão principal) escorre mais facilmente pelos dedos das mãos, sendo possível sentir os grãos. Esse tipo de solo não é indicado para a fabricação da tinta, já que o resultado após a pintura é uma superfície de textura áspera, a qual perderá rapidamente sua coloração por abrasão ou exposição às intempéries.

Fonte: Programa Saberes da Terra
Fonte: Programa Saberes da Terra

Após o reconhecimento da terra adequada para a fabricação da tinta, é realizada a coleta. Normalmente essa etapa ocorre em taludes de beiras de estradas ou nos fundos de quintal. Com o auxílio de uma pá, retira-se os torrões da terra escolhida. É importante remover a camada superficial da terra para depois realizar a coleta, a fim de se evitar o recolhimento de materiais orgânicos e outros componentes indesejados. Outro ponto importante é que o trabalho com a terra e posterior tratamento se torna mais fácil quando ela está seca, portanto é indicado evitar essa etapa após períodos de chuva.    

Realizada a coleta, é necessário peneirar a terra, de forma a deixá-la o mais uniforme possível, desfazendo os torrões e os aglomerados. Quanto mais fina e homogênea estiver a terra, melhor será o resultado da pintura.

Fonte: Programa Saberes da Terra

Após o processo de peneiração, adiciona-se à terra, água e cola à base PVA - como exemplo a Cazcorez Universal - nas proporções de 1:1:1/2, respectivamente. A textura fica semelhante à uma tinta látex industrializada. É importante ressaltar que essa proporção não é exata, já que as quantidades variam de acordo com a natureza da terra. Indica-se utilizar um pouco menos de água, para não correr risco de a tinta ficar muito rala.

A tinta pode ser utilizada em papel branco, kraft, paredes, madeiras, entre outras superfícies. No caso de pinturas em paredes, é indicado a utilização do rolo de lã e o tempo de 3 horas entre as demãos. O rendimento é de 18L de tinta para 70 m² a cada demão. Além disso, é indispensável o preparo da parede antes da aplicação, como lixá-la, para retirar as imperfeições, e aplicar um pano úmido para que a parede absorva a menor quantidade de água da própria tinta, e facilite sua aplicação.

É possível também a utilização de outros tipos de ligantes além da cola à base de PVA, como a cola de madeira e o grude. O primeiro apresenta ótimos resultados quanto à qualidade de cobertura, porém devido à sua cor amarela, modifica muito a coloração final da tinta. O segundo ligante é o que menos modifica a coloração da tinta, porém, por ser um produto orgânico, tem uma durabilidade menor, principalmente quando exposto às intempéries, e por isso é mais indicado para interiores. A própria cola branca altera levemente a cor, deixando a tinta um pouco mais clara, porém é o tipo de ligante que apresenta o melhor custo-benefício, podendo ser utilizado tanto em áreas internas quanto externas.

Há também a possibilidade de acrescentar algum tipo de corante à tinta de terra, podendo ser ele orgânico, como o sumo da beterraba, a cúrcuma e o sumo da couve; ou industrializado, como o pigmento xadrez.   

A utilização das tintas naturais, principalmente à base de terra, garante a qualidade das tintas industriais no quesito durabilidade e aderência e concilia a sustentabilidade, diminuindo dessa maneira os impactos ambientais e também, a redução dos custos na obra.

Antes da pintura. Fonte: Programa Saberes da Terra
Depois da Pintura. Fonte: Programa Saberes da Terra
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